domingo, 22 de janeiro de 2012

O passado dos outros

Gosto de coisa antiga. Minha cama é do século 18, meu sofá dos anos 60, a louça da minha casa foi presente de casamento dos meus pais. Não resisto a um brechó, feira de antiguidade é meu programa obrigatório em todo país que visito, só leio livro de quem já morreu e prefiro bater papo com a minha avó do que assitir ao último vídeo coqueluche do youtube.
Mas ao contrário do que parece, não sou nostálgica. O passado que eu gosto não é o meu próprio. Não tenho saudade da minha infância, prefiro ser adulta. Não queria de jeito nenhum ter 8 anos novamente.
Mudei de endereço muitas vezes nos últimos anos e em cada mudança  fui atropelada por muita coisa da minha história: uma agenda de 1997, um uniforme do primário todo assinado pelos colegas, cartões de amor eterno de amores que duraram pouco. Joguei quase tudo fora, sem pena. Não é o meu passado que me comove, mas o dos outros.
É o que eu nunca vivi que me encanta: as festas em que eu nunca fui com meu vestido dos anos 60, as casas onde minha poltrona cinquentista viveu e eu nem tinha nascido, as histórias do quarto de hotel de onde veio essa luminária enferrujada, isso sim me emociona. Nem quero saber o que aconteceu de verdade com nenhuma das minhas velharias. Tenho certeza que a realidade não chegaria aos pés da minha imaginação.
Na verdade, histórias reais me cansam um pouco. Me interesso mesmo é por ficção. Já acho chato ler biografia de gente que mudou o mundo, imagina ficar revisitando o meu próprio passado.
Veja bem: não sou desapegada. Meus melhores amigos ainda  são os da minha turma do colégio. Mas não porque eles representam um museu de mim mesma, mas sim porque estão no meu presente até hoje. Eles vieram comigo, não ficaram só lá na história, não são personagens de um álbum de fotografia. São gente de carne e osso com quem, cada ano que passa, tenho mais certeza que quero passar o resto da minha vida. Gostar deles não é uma homenagem póstuma, é uma escolha diária.
Por isso, meu querido, respondendo a sua pergunta. Sim, eu sinto sua falta. Mas não dos nossos tempos antigos, das primeiras viagens, de quando tudo começou, isso não.
 Sinto falta do que a gente teria amanhã se ainda estivesse junto. Quem você seria, quem eu seria? Qual ia ser a cara do nosso filho? Você ia ficar bem de cabelo branco? Como a gente ia lidar com a morte do nosso cachorro? Como a gente ia fazer pra continuar se amando?  O primeiro beijo eu me lembro, tudo bem, mas como seria nosso último beijo se a gente vivesse feliz para sempre?  
A história real está resolvida. É da ficção que inventei pra gente que sinto falta.
Se fosse pra ser um futuro talvez eu me animasse. Mas o que a gente foi eu já conheço, obrigada. Gosto de coisa antiga sim, mas ao meu redor, não dentro de mim.  Se é pra ter um passado ocupando meu quarto, me cobrando um ontem, me esfregando na cara algum tipo de história,  prefiro que seja minha cama Luis XV.

2 comentários:

  1. Saudade do q nao vivi...pq sentimos essa falta? O q foi ja se completou, é passado, nao volta....ou se volta é presente. Ainda espero...
    Adorei o texto!

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  2. Adorei o texto!!! As coisas que carrego comigo são as mais velhas possíveis. Umas tratadas pelo presente. Outras esquecidas para o futuro chegar. Mas, aquilo que era novo e não ficou velho comigo fica atemporal na minha vida. Eu deixo. Esqueço. Combino minhas velharias com as minhas roupas e minhas preferências por pérolas. ;)
    Escreva mais. Escreva sempre.

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