terça-feira, 19 de novembro de 2013

Meu filho vai ser diferente.




Brisa e Rafael acham que o nome Quim já basta para tornar o filho um artista.
Helga e Ricardo são místicos e fizeram 3 tipos de mapa-astral para Sol até encontrarem um que os deixasse satisfeitos.
Maria Eduarda e Jonas abriram uma caderneta de poupança e querem repetir tudinho igualzinho com o Júnior.
Luciano e Valentina cantarolam Mozart na esperança que Sebastião goste de boa música.
Lia e Marcos são gordos e só compram papinha orgânica.
Diogo e Maya são ricos e nunca dizem nunca.
Marcelo e Joana tem certeza absoluta de que os gêmeos serão mais felizes que eles.
Juan e Marina juram que não terão outro filho.
Paulo e Camila culpam a internet pela timidez de Nuno.
Ana e Caio estão preocupadíssimos porque a nova babá não fala inglês.
Karen ganha 2 salários mínimos como doméstica e está preocupadíssima com o filho dos outros.
Tânia e Maurício são apaixonados e tentam fazer sexo mas esbarram num grande  sapo verde falante.
Bianca é mãe de Julinha às segundas, quartas e sextas.
Vitor é pai de Juju terças, quintas, sábados e domingos.
Hugo e Gabiela são hipocondríacos e lavam as mãos mais do que o necessário.
Paula e Isabel garantem que seu bebê começou a falar 7 semanas antes do previsto.
Durval e Isis são fashionistas, inventam que ser pai está na moda e criam um termo que vai pegar este verão: fathering.
Lucas e Dalila são mentirosos e dormem muito porque Raíssa é um anjo.
Daniel e Sueli instalaram 4 câmeras no quarto do bebê – nunca se sabe.
Juca e Nina brigam baixinho pra não acordar o Dudu.
Larissa quer ser uma mãe de vanguarda e vai comprar Danoninho maçã.

Todos eles vão dormir felizes, pensando: meu filho vai ser diferente!
E o criador da Galinha Pintadinha ri alto em sua sala espaçosa toda vez que ouve essa frase.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Inútil


Toda mãe é uma Copa do Mundo.
A maior festa que existe: superfaturada, polêmica, grandiosa – um exagero.
Uma mãe começa a ser planejada 30 anos antes e nunca fica pronta a tempo.
O pai não.
Todo pai é feito às pressas.
Coisa de 5 minutos.
Assim: a mãe se vira pra ligar o fogão.
O filho até aí, é todo feito nela, todo feito dela.
(A biologia nega, mas qualquer mãe sabe que fez o filho sozinha.)
O filho crescido, já com a boca cheia de gengiva, e o homem ali, sendo apenas um homem.
O leite ferve.
Coisa de 5 minutos.
Até que alguma mágica se dá, bruxaria, baba ou espirro.
E numa combustão espontânea, de repente passam por aquele homem todos os estrogênios, progesteronas, prolactinas, contrações, o parto, a placenta e litros e litros do mais proteico líquido aminiótico.
Então no meio da cozinha, antes do jantar de terça-feira, um cordão umbilical invisível junta os dois para sempre.
O homem chora pequeno, porque dói chegar tão perto do que é ser uma mulher.
O homem chora soberbo, porque a mulher pode ser tudo, mas nunca vai ser um pai.
Mas a mãe, se tiver esperteza, gosta e descansa de ser tão gigantesca.
Finalmente ela tem sua chance gloriosa de ser inútil.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

Guerra e Paz

Escrevo do centro da batalha. Começou comigo deitada e rendida, os outros ali para salvar ele. O grande homem mais importante do mundo, seus 48 centimetros, seus 3 quilos e sessenta.  
Ele chora, depois eu e todos. Ele grita e nós rimos triunfantes: a humanidade venceu outra vez. No quarto eles me costuram do trauma, da amputação. Se já dói lhe arrancarem um dente, imagina um filho.
Nessa trincheira tudo sou eu: os aliados e inimigos, os tiros cegos para o alto no escuro e os mísseis inteligentes. 
Em casa viro uma máquina. Uma fábrica miraculosa e bombardeada que não pode parar de funcionar. Toda esta fabrica é também a mãe: as engenhocas e traquitanas, os funcionários, a matéria-prima mais essencial e o lixo que sobra.
Isso para que ele possa chorar mais e cobrar tiranicamente o que lhe prometi quando o inventei: a vida.
Eis o trato - eu o salvo de morrer, ele me salva de ser mortal.
De repente, então:
Saber que ele não existe sem mim é a grande tragédia.
Saber que ele existe sem mim é a grande tragédia.
E enquanto o amamento em dias e noites repetidas percebo o óbvio, e concluo o que mesmo a mãe mais dinossáurica já sabia: na verdade é ele quem me alimenta.
Um filho é a verdadeira Grande Guerra e no entanto é a única paz possível pra quem nasceu num corpo de mulher.

terça-feira, 30 de abril de 2013

A casa


Não é só a palavra que é mais agradável: tudo numa casa é mais simples e menos consoante que num apartamento.
O apartamento é todo concreto.
Tem 3 quartos, sala, dependência.
Apartamentos tem plantas que medem metros quadrados.
Casas tem jardim.
Apartamentos tem entrega de chaves, primeira locação e são financiados em 30 anos a juros baixos e muros altos.
A casa sempre foi de alguma avó e tem história - e só.
Apartamentos são invariavelmente de verdade.
São um bom investimento, diz o economista.
Apartamentos são sempre imóveis.
A casa não; a casa é toda fluida, toda ideia.
Desde criança a gente tem uma casa, aprende a desenhar uma casa.
Toda casa tem telhado vermelho e chaminé, mesmo quando não tem.
Toda casa tem quintal na frente, mesmo quando não tem.
Toda casa fica numa rua de pedra com criança jogando bola, mesmo quando fica na Marginal Tietê.
O sujeito pode ser proprietário de mil apartamentos, mas olha ali:
à noite, cansado e com saudade, ele volta é pra casa.