segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Só as mães dos anos 80 foram felizes.


Minha mãe leu meu último texto falando do perrengue absurdo que é ser mãe.   Estava meio dramática esse dia e pensei: “que bonito, ela vai me abraçar forte, se solidarizar e dizer emocionada: filha, eu sei como é! Toca aqui! Vamos chorar juntas as mazelas de ser mulher!”
 
 Em vez disso, ela disse que - aspas: “morreu de rir com o texto”. Pra ela tudo que escrevi soou muito engraçado. Aspas outra vez: “maternidade não foi nada disso.”

Minha mãe não é de falar as coisas só pra me provocar, então fiquei pensando: será que a maternidade é mesmo um cupcake rosa, recheado de doce-de-leite com granulado colorido e eu tô complicando tanto assim? 

A mãe de uma amiga já chegou dizer que ela e suas irmãs nunca choraram na vida, enquanto o filho dessa minha amiga...bem, ele chora. E quem nunca ouviu a mãe dizer “Nunca mudei nada de lugar, vocês respeitavam os vasos de cerâmica e livros de arte.” Que bebês encantadores fomos. Será que dei azar então? O que estou fazendo de errado? É apenas meu filho que é difícil? Ou pior: será que nem ele nem é difícil, o problema sou eu mesma?

Recebi muitas mensagens de pessoas que tinham se identificado com o tal texto das agruras da maternidade, então acho improvável que seja algo pessoal. Nossa geração sofre mesmo com essa escolha, e muito. O que será que mudou então? Tenho algumas teorias de meia tigela.

Uma explicação é que não existia glúten, tela de proteção, cinto de segurança psicólogos infantis, Bela Gil. Tinha muito menos gente olhando e julgando as besteiras que nossos pais faziam. Experimente questionar: “Pai,  a gente andava na caçamba da pick-up em Saquarema sem cinto com vocês dirigindo bêbados, e aí?” A resposta é sempre a mesma: “você sobreviveu, não sobreviveu?” Nossos pais ainda por cima não sentem culpa nenhuma, é fantástico. 

Outra hipótese para minha mãe e suas contemporâneas acharem  tanta graça no texto é que existia a figura da empregada doméstica 24 horas por dia em casa, deixando os pais bem mais desobrigados. E havia avós que se dedicavam integralmente ao netinho e sua janta, enquanto as avós e avôs de hoje estão viajando pra Tailândia com o novo namorado e talvez até engravidando de novo. Ou, no meu caso, cuidando de seus próprios pais, que não raro estão perto dos cem anos e vivos da silva. Isso também é novidade. Acho incrível, de verdade, mas não facilita pra gente. 

Indo ainda mais longe, não existia a internet com seus vídeos e correntes apavorantes mostrando  tudo de terrível que pode acontecer ao seu bebê: sabia que um simples colar de âmbar pode ser fatal? Clique aqui. 

Hoje em dia as mães sabem que mesmo as atitudes mais bem intencionadas podem causar mal ao filho. Até o ex-saudabilíssimo suco de laranja tem glicose demais. Quem aí tomava Nescau com açúcar? Sim, nós sobrevivemos. Comprávamos cigarros pros nossos pais, corríamos com balas softs na boca, jantávamos Skinnys (não é frito, é assado!).

Só as mães dos anos 80 foram felizes. As mães das décadas anteriores ainda não tinham ido pro mercado de trabalho, só cuidavam dos filhos e dependiam do marido. Hoje em dia trabalhamos demais, queremos sucesso, carreira, viagens, casamento, liberdade, igualdade de gênero, likes no instagram, barriga tanquinho e filhos com hábitos saudáveis.

Nos anos 80, mãe, vocês tiveram tudo: a opção de trabalhar ou não, a escolha de fazer o parto que quisessem sem serem pressionadas de um lado por médicos mercenários e de outro por defensoras xiitas do parto natural sem anestesia na banheira de casa; tiveram a tranquilidade de não saber os malefícios da junk food, tudo isso aliado a uma certezinha macia de que deixar a Xuxa na TV 7 horas por dia (alternando com Chaves) não fazia mal a ninguém.

Então eu entendo seu riso, mãe, porque a relação entre pais e filhos já foi sim bem mais simples - pelo menos para os pais. Para os filhos, tenho dúvidas. Hoje há um mundo de entretenimento, psicologia e educação infantil muito mais evoluído. Escutamos mais as crianças, prestamos muita atenção nelas, talvez mais do que devêssemos? Pode ser. 

Nós, as mães dos anos 2000, amamos muito nossos filhos, mas estamos exaustas e às vezes de mau-humor.

E o pior é que não temos nenhuma garantia de que nossos filhos sem glúten e sem lactose serão mais felizes.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Um toboágua dentro de casa


A maternidade é uma coisa, o filho é outra. Gostar do filho é fácil. Ele é arredondado, engraçadinho, cacheado e se parece com você.  O filho você vai amar profundamente e cada dia um pouco mais como num namoro adolescente e obsessivo. A maternidade você vai amar, odiar, achar ok, achar chatinho, querer pedir demissão às vezes.

Filho é fácil de gostar até quando é dos outros, até quando é filho de panda, elefante ou porco espinho. Filhos são adoráveis, dá vontade de ter uns 3 por dia.

A maternidade é diferente. A maternidade é o trabalho que vem junto com o filho. Um trabalho físico,químico, psicológico, biológico, sociológico, 24 horas por dia 7 dias por semana.

Amar o filho não quer dizer que você vá gostar na mesma medida da maternidade.  É como se, por gostar de dar uma nadadinha na praia numa manhã de sol, você tivesse que gostar de acordar 5 da manhã todo dia pra fazer mil metros borboleta na piscina gelada de um clube e competir nas Olimpíadas. Como se por gostar de viajar, tivesse que construir um Boeing 747 por semana. (Ok, não é bem assim, até porque existe faculdade pra construir avião e treinador pra quem quer ser campeão de natação. Ser mãe é sempre uma atividade amadora, mas de alta periculosidade.)

Gostar do filho o tempo todo é natural, gostar da maternidade de segunda a segunda acho impossível. Pra isso, uma mulher teria que ao mesmo tempo curtir cozinhar, desenhar, jogar futebol, apreciar patati patatá, achar divertido limpar cocô, dar banho, debater 3 horas sobre a cor de uma meia e achar delícia dormir 4 horas por noite. Tem dias que tudo isso funciona não sei como - e é até bom. Tem outros que deus me livre. Eu mesmo quando publicitária devo ter feito umas mil campanhas de dia das  mães sobre a maravilha de ser muitas mulheres ao mesmo tempo! Maravilha pra quem?

A dúvida é: por que não nos contaram isso antes? Mãe, vó, tias, alou? Não me venham dizer que os tempos eram outros, que lavar fraldas de pano à mão era gostoso e birras foram inventadas com o Xou da Xuxa em 82 . Nem vem. É que não é fácil assumir, eu entendo. Mães não gostam de admitir fraquezas, mas nos perdoem: somos atletas de alto impacto, surfistas de ondas gigante, soldados de nossas guerras particulares. O treinamento é meio Bope e você pede pra sair e não pode. A gente acaba se convencendo e divulgando que dá pra levar de boa, respira fundo e engole que é mais fácil. Será?

Sei não. Me custou muita culpa entender essa separação do que é o filho e  do que é o trabalho de ser mãe, mas valeu. Hoje assumo mais tranquila crimes hediondos como não gostar de brincar de Lego e achar chatíssimo pique-pega americano. Tá tudo bem: a criança está experimentando o mundo; eu cheguei há 35 anos e já escolhi  o que gosto ou não. A maternidade é uma chance de rever escolhas, é verdade, mas as vezes você revê e acha chato pra cacete mesmo.

Pras amigas que não sabem se querem ter filhos, geralmente recomendo que repensem mesmo e muito.  O trabalho é tão duro e pouco recompensado que vez ou outra penso pra quem eu posso ligar pra reclamar, um serviço tipo do Uber que você aperta 4 dígitos e é ressarcido generosamente sem grandes questionamentos.

Só que  a natureza é perfeita mas é também muito pouco democrática. Pelo menos no primeiro filho, você assina o contrato vitalício sem conhecer as regras.

Não é mentira que te transforma, mas um caminhão passando em cima de você também te transformaria.
Não é mentira que te torna um ser humano melhor mas 5 anos de prisão também podem ter esse efeito.
Ok menos. Só quero dizer que não é sempre bom. Que pode ser até muito ruim de vez em quando. E tudo bem.

Sei que a obrigação de amar a maternidade deve vir de longe na nossa história ou talvez bordada em crochê em forma de coração no nosso DNA. Deve ter servido  pra alguma coisa importantíssima na evolução humana, sem dúvida nos salvou de tigres dentuços que já devem estar extintos. Mas hoje, em 2016, acho mais saudável poder admitir que esses templates maternais rosados de Instagram com dizeres de incentivo, essa cobrança da maternidade prazerosa e delicinha afasta mais as mães dos filhos do que o contrário.

Não seria bom que meu filho conhecesse minhas limitações antes de descobrir e esgarçar todos os limites? Que ele entendesse que não, não sou tudo, não posso tudo, não quero nem amo tudo que é necessário pra ele estar aqui?

Eu entendo que  empoderamento pra algumas mulheres possa ser largar um cargo de CEO de Multinacional só pra fazer esse trabalho. Discordo de quem diz que a maternidade é um cargo como outro qualquer, mentira: é mais. É questão de vida ou morte e envolve  a sua continuidade nesse mundo. Que outra posição envolve riscos tão altos?

Pra outras mulheres, no entanto, optar por terceirizar algumas etapas do trabalho maternal também faz sentido para manterem a sanidade, a felicidade ou a vaidade, no bom sentido.
 E também vale escolher não ser mãe e não passar por isso nunca, não por medo ou fraqueza, mas por preferir viver a vida de outro jeito. Nunca serão menos mulheres por isso.

Inacio meu amor não me entenda mal: filho  é a  coisa mais divertida que você pode fazer nesse planeta. É como ter um toboágua dentro de casa, todo dia tem sua emoção e sua gracinha.

Já  a maternidade... bem, na minha humilde opinião existem empregos mais bem pagos e com direto a férias e aposentadoria.

terça-feira, 24 de maio de 2016

As dores e delícias de ser babá do próprio filho

Minhas amigas mães se dividem em dois grandes grupos: as que passam um perrengue absurdo ao cuidar do filho sem muita ajuda extra (grupo em que me incluo) -  e as que tem babás quase 24 horas.
 Embora eu acredite que existe uma pequena guerra silenciosa entre estes dois grupos (pais sem babá falam mal dos com babá e vice-versa) aqui não se trata de um julgamento: Todas essas amigas são ótimas mães e seus filhos são crianças muito bacanas. Mas é um fato que são vidas bem diferentes.

De cara, é muito fácil perceber o que os pais perdem por não ter babá: noites de sono, jantares românticos, reuniões de trabalho, baladas com amigos, os próprios amigos, o bom humor, a paciência, a sanidade.

Muito mais difícil é ver o que a gente ganha quando assume esse job a maior parte do tempo. Ao contrário de nossas olheiras profundas e nossas raízes brancas por fazer, os bônus são muito mais difíceis de se enxergar a olho nu. Por isso achei que valia pensar em voz alta sobre o assunto.

“Filho, me ajuda?”. Quando você tem uma funcionária o tempo todo, é pra ela quem vai pedir socorro nos perrengues do dia a dia. Quando não tem, o seu próprio filho é que vai ter que te ajudar. E isso, ao longo do tempo, acho que dá à criança um certo senso de responsabilidade acima da média. É simples: como não há mais ninguém a recorrer ou culpar, vocês viram um time. “Filho, me ajuda, estamos só nós dois” -  é uma das coisas que mais falo pro Inacio. Às vezes funciona, outras ele continua a berrar e espernear e eu choro junto por não ter a tal babá (recentemente fiquei meia hora trancada no meu banheiro enquanto Inacio, num acesso de raiva,  esmurrava a porta  estilo Jonhy, de O Iluminado). Mas com o tempo ele tem entendido que se não fizer a parte dele, a coisa não acontece.

“Faz uma tatuagem de pontilhismo em mim ?” Dias atrás fomos num aniversário e meu filho disse essa frase pra uma  pessoa, que imediatamente se apaixonou por ele, óbvio. Ele não sabia o que estava falando, estava apenas repetindo algo que ouviu, mas o efeito “ownnnnn” por parte de todos foi imediato.Atribuo essa gracinha ao fato de que desde que Inacio nasceu, o levamos a quase todos os eventos de nossos amigos. Não é nada conceitual ou pseudo-construtivista, é pura falta de opção mesmo. Não temos com quem deixá-lo. Muitas vezes é bem cansativo, não conseguimos ter uma conversa adulta e aquele vestido de festa branco ganha uma mancha de suco de uva nos primeiros quinze minutos do evento. Por outro lado, por não ter uma figura ali contratada só pra ele, Inacio percebeu que teria que conquistar os adultos. Garantir “babás temporárias”, pessoas que se interessassem por ele a ponto de lhe dar atenção. Com isso, ele se comunica excepcionalmente bem pra 3 anos. Fala um português impecável. Já cheguei a achar que ele era um gênio, mas não tem nada a ver com isso: foi pura necessidade de se comunicar.

“Pede pro papai.” Tenho a sensação de que os pais com babás full time conseguem escapar com mais facilidade da parte chata de ter um filho. Trocar fralda, escovar os dentes, lavar um lençol sujo. Homens nunca brincaram de boneca, a criação dos homens por aqui é bem machista e eles não tem a mesma disposição das mães para estas tarefas. Não que a gente goste, óbvio, mas sabemos que tem que ser feito e fazemos. Quando não se tem babá, eles tem que se virar.  Pode-se argumentar que estas atividades não tem a menor importância na educação, mas num contexto de igualdade de gêneros acho importante o filho ver que o homem tem a capacidade e responsabilidade iguais de realizar o trabalho doméstico.

“Você acredita que a minha babá fez isso?” “Sim, acredito. E talvez eu fizesse o mesmo.” É assim que penso a maioria das vezes que alguma amiga comenta sobre alguma atitude da babá com seu filho. Quando você é a babá do seu próprio filho o tempo todo, é mais fácil ter empatia e vestir o uniforme branco mental pra se colocar do lado da moça. Às vezes falta paciência, às vezes falta capricho com seu filho. E você talvez não fizesse melhor. Normal.
 
Claro que os pais sem babás ao ler isso aqui vão se sentir superiores - não somos. Nada disso garante que a criança vai ser um ser humano melhor. São tantos os fatores que influenciam que minha divagação é apenas uma observação de um caso isolado com meu filho. Meu mestrado em psicologia infantil é o babycenter, então não levem  à sério.

Os pais com babás, por outro lado, vão achar que sou uma recalcada - e sou. Minha opção por não ter uma ajuda o tempo todo veio muito mais da impossibilidade financeira. E mesmo com tudo isto dito, admito que eu ando sonhando com uma babá extra. Estou exausta. Acho que nunca terei outro filho se não puder ter esse privilégio.

Mas ao mesmo tempo é inegável que são relações diferentes que se estabelece com a maternidade e paternidade, em vários níveis. Pensemos.