Eu e minha avó sentadas na cozinha
às 11 e meia. Eu tomo café da manhã, ela almoça. Ela não quer que eu coma só,
pensa que eu sou uma criança. Eu não quero que ela coma só, penso que ela é uma
velhinha. Estamos erradas, as duas. Estamos certas também.
A cena já se repetiu tantas vezes,
mas é sempre novidade. Tenho saudade desses momentos como se eles não
acontecessem há 10 anos, mesmo que aconteçam todo dia. É que eu não tenho com a
minha avó conversas de velho. E nem ela tem comigo papo de jovem. Não há linha
do tempo nos nossos assuntos, não existe ruga no nosso diálogo. Falamos da
vida, do que nos toca, e emoção não tem tempo, não foi ontem nem amanhã. Emoção
é sempre hoje.
Nesse dia contávamos as últimas
novidades da família, uma família tão grande que dá pra gente se ocupar da vida
deles um pouco e esquecer das nossas. E isso é bom demais, ter tanta gente que
foi feita da mesma massa que eu. Eu agradeço a minha avó pelos 6 filhos que ela
teve, os 18 netos, 19 bisnetos, meu Deus.
Fico triste então pelos 6 filhos
que eu não vou ter porque ter filhos ficou caro e complicado demais. Imagina
ter que levar todo mundo pra Disney, Iphone, tv de plasma e laptop pra tanta
gente. De repente fico inconsolável por todas as próximas gerações, que vão
dominar o mundo, inventar o teletransporte, implantar chips no cérebro, ter 4500
amigos no Facebook mas nunca vão ter 16 primos de primeiro grau.
Minha avó acha que eu tenho uma
sorte danada de ter nascido hoje, você não sabe o trabalho que dava cozinhar
sem microondas e agora essa internet tá ajudando tanta gente. E eu acho que ela
tem uma sorte absurda de poder ter sido mulher e só isso, parideira, mãe, sem
culpa porque culpa nem existia - ninguém fazia análise ainda.
Aproveito com pressa todo o tempo
com a minha avó, minha última avó, pergunto tudo, quero saber tanta coisa.
Tenho raiva de ter nascido tão depois dela. Tudo naqueles 89 anos me interessa.
- Como é que é viver tanto, vó?
De repente a voz dela embarga e vem
um choro calmo. Mas choro na nossa família não é tristeza, às vezes é só uma
alegria muito grande, tão grande que dói.
- Eu
não sei. Minha vida foi tão fácil, minha filha.
Ela me chama de filha mesmo que eu
seja neta, mas ela está certa. Eu sou filha também, duas vezes filha, sou mais
filha dela do que minha mãe.
- Tive
7 partos normais. Perdi só um filho. Meu casamento durou 53 anos. Quer dizer: a
vida foi muito leve comigo.
Eu morro de rir e ela não vê a graça.
Maria Luisa acha que é feliz porque não passou por quase nada, mas já passou
por quase tudo.
Você não entendeu nada, vó, por
isso eu te explico. (E ela vai me ouvir porque entre a gente não tem isso de
gente nova não poder ensinar pros mais velhos.)
- Não foi a vida que foi leve com você, vó. Você é que foi
leve com a vida.
Que lindo, prima!
ResponderExcluirImagina se não surgiram lágrimas no cantinho do meu olho lendo esse texto.
Beijo grande cheio de saudades e orgulho,
Paula
Ai Pati, que lindo. Como eu sinto falta desses momentos com a minha vó. Dessas conversas. De ficar falando sobre a vida com ela, enquanto comia um bolinho, e acariciava o lóbulo macio da orelha dela..... Que alegria ter isso. Uma avó amiga. O tempo do presente é vivido na distância e na ausência tb, mas, recheado de lembrança e de saudade. Aproveita mesmo sempre que o momento reunir vcs duas. É isso, longe, perto, "emoção é sempre hoje". Vovó Zezé e Vovô Melinho diriam o mesmo.
ResponderExcluirMoça, que textos lindos. Os dois. O primeiro e o segundo. Já tô ansioso pelo terceiro.
ResponderExcluirOi, Patricia.
ResponderExcluirRecebi um email da sua mãe sugerindo seu texto.
Gostei muito. Ele confirma minha crença na longevidade de laços, quando são verdadeiros.
Sucesso para vc.
Que lindo, Pat! Estava há muito tempo querendo dar uma passeadinha por aqui. Hoje consegui, e este texto me pegou, me emocionou, e me fez ter orgulho de você. Parabéns! Muita fofa sua relação com a vida e com sua avó. (mande beijinhos pra ela, de quem já gostei e admirei muito)Sua escrita, seu carinho e sua energia são muito boas. Muitos beijos!Melise Maia.
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