terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O contrário


Eu tenho que ligar pra todo mundo. Encontrar tanta gente. Eu tenho que sair, combinar o próximo carnaval, o próximo reveillón, eu sou de fazer planos, isso de viver o presente nunca foi meu forte.

Eu tenho que dar satisfação aos outros, em geral eu gosto que me cobrem, preciso que sintam a minha falta. Quem vai, o que vai ter, que horas? Eu vou, eu quero estar em qualquer lugar, eu e essa minha mania de ser do mundo.

Eu tenho arquitetado muitos planos de fuga. De qualquer canto da minha casa dá pra ver a porta. Só moro com muita janela. Eu olho pra fora, confiro a validade do passaporte. Saber que só existe oxigênio aqui na Terra me dá claustrofobia.

Eu tenho planta, cachorro, faço financiamento da casa própria, eu crio raiz o tempo todo mas sempre achei fácil ir embora. Não é contradição, apenas conheço minha força: sei que aguento minha bagagem. Qualquer coisa ponho tudo numa caixa: planta, casa, cachorro, raiz, escrevo FRÁGIL do lado de fora (ou de dentro) e me mudo.

Eu tenho pressa. Eu tenho que ir, eu sempre vou. Mas agora quando vou tentar sair, você me prende. Sentado no sofá, lendo, sem me encostar, você me segura. Parado, calmo, de longe: eu fico.

Eu tinha que fazer tanta coisa. Sorte que hoje cedo reli Manoel de Barros: o melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

Eu tinha que conquistar Ásia, Europa e 17 territórios à minha escolha. Mas você só me dá vontade de ler poesia. 

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