Foi meu filho quem matou o
travesti. Uma Marilyn Monroe preta de seu metro e noventa.
Só não foi do jeito que eu ensinei, compreende? Isso é que me tira o sono.
Vieram me contar pra que eu sentisse pena, essa gente é engraçada.
Pena de um homem daquele tamanho. Se quisesse respeito o negão não usava saia rodada, concorda?
De onde eu venho quem tá buscando apreço carrega faca e não batom vermelho
numa bolsa prateada. Um dia ainda pequeno meu menino veio com essa:Pai, e homem pode beijar
outro homem? Tomou logo um tapa na orelha desse que deixa tonto que é pra não esquecer.
Aquela merda de bairro tinha de tudo, gente muito misturada.
Eu falei pra Solange mandar ele pro interior, não queria filho meu aprendendo imundice.
Mas aquela ignorante. Ele cresceu ali no meio, por isso eu tive que explicar tudo: Não se mexe
no que é de Deus, Justino, não se brinca. Eu sou uma pessoa muito religiosa, o senhor entende?
Falei pra ele que homem que é homem não chora, não mama, não ama.
Homem que é homem faz tudo é com mulher. Lambe, come, sustenta, bate quando precisa.
E burro ele não era, porque aprendeu. Teve dois ou três quebra-pau no bar e foi o meu Justino
que endureceu, que expulsou as bichas com pontapé, e ainda quebrou uma lâmpada na cara
de uma que era bem abusada e gostava de relar nos homens. (A magrela perdeu uma vista
e passou a usar tapa-olho colorido, cada dia de uma cor. Bicha faz piada de qualquer coisa,
ri de tudo que é desgraça e isso é que dá raiva.) Essa mesma me encontrava e me chamava de tio,
porque eu vi essa molecada crescer, entende? Com a tal da Marilyn foi desse jeito também.
Na época ele era só o Jabuticaba, um neguinho safado que garrou amizade com meu Justino,
comia lá em casa todo dia. Os dois brincavam de matar pombo e espiar revista de mulher pelada
que eu dava escondido, coisa de moleque. Depois roubavam carro só de pirraça pra bater pega
na Avenida Central, coisa de garoto. Quando criaram pentelho fizeram economia pra comer
a mesma puta, coisa de homem. Quem conhecia achava que era irmão, mesmo sendo um preto
e um branco, pro senhor ver. O povo falava, mas o povo fala, não fala? O povo tem fome pra
assunto besta. Mas não, o meu Justino não, ele nunca. Tanto que o Jaboticaba deu pra falar mole,
e o meu Justino não gostou. Depois o preto descoloriu o cabelo e começou a fazer ganho na praça.
Ainda zombou do meu filho porque tava ganhando mais que ele no supermercado.
Os dois caíram no cacete ali mesmo e nunca mais se falaram. Jaboticaba deu o rabo pra tudo
que é homem encapetado daquele fim de mundo, mas o senhor veja como é a vida: meu menino
foi quem pegou a doença maldita. Não me pergunte como, o povo fala, mas o povo sempre fala.
O meu garoto que sempre foi corpulento ficou que era osso puro. E ninguém mais queria ir lá
em casa, o bar não servia do mesmo copo e o Padre Ivo pediu com muita educação pra gente
não levar o menino na missa que espantava os fiéis. Essa doença não passa assim não,
mas aquela gente é chucra, como eu falei pro senhor. O Justino ficou abandonado em casa
esperando morrer, feito bicho sem raça. Não queria saber de conversa com a gente, começou
a rezar dia e noite, só sabia pedir perdão pra mim. Dormindo às vezes ele delirava e chamava
o Jaboticaba. Aquilo me dava pena, o senhor entende? Então eu liguei pro pretinho safado
e mandei ele aparecer em casa pra ver se Justino reagia. O criolo tava grande, maior ainda,
não sei se era o salto ou a peruca que dava essa impressão. Uma Marilyn Monroe preta
de seu metro e noventa. A loira entrou no quarto do Justino e eu ouvi a porta trancando.
Vinha um barulho seco, coisa de homem se entendendo. Deu meia hora, deu hora e meia e nada.
Eu tava pra chamar o padre ou a polícia, tanto faz, o que viesse primeiro.
Foi quando Jaboticaba saiu do quarto com olho roxo, sem os cachos dourados.
Ele chorava que nem quando era menino e gritava que tinha que se lavar, pedia água, deixa
eu me lavar que Justino me passou essa desgraça. Ele me comeu, tio, ele me comeu
e foi embora tropeçando aqueles pés de gorila pra fora da sandália. Eu não ia morrer sozinho, pai,
o senhor entende? O preto era forte mas durou menos que meu menino. Justino, coitado,
tá vivendo pra passar essa vergonha de ser preso. Foi meu filho que matou o travesti, moço,
pode escrever aí, que isso não devia ser crime e muito menos pecado. Mas como disse pro senhor,
se ainda tivesse sido com tiro ou uma facada no estômago, se ainda fosse de porrada.
Isso é que me tira o sono.
Só não foi do jeito que eu ensinei, compreende? Isso é que me tira o sono.
Vieram me contar pra que eu sentisse pena, essa gente é engraçada.
Pena de um homem daquele tamanho. Se quisesse respeito o negão não usava saia rodada, concorda?
De onde eu venho quem tá buscando apreço carrega faca e não batom vermelho
numa bolsa prateada. Um dia ainda pequeno meu menino veio com essa:Pai, e homem pode beijar
outro homem? Tomou logo um tapa na orelha desse que deixa tonto que é pra não esquecer.
Aquela merda de bairro tinha de tudo, gente muito misturada.
Eu falei pra Solange mandar ele pro interior, não queria filho meu aprendendo imundice.
Mas aquela ignorante. Ele cresceu ali no meio, por isso eu tive que explicar tudo: Não se mexe
no que é de Deus, Justino, não se brinca. Eu sou uma pessoa muito religiosa, o senhor entende?
Falei pra ele que homem que é homem não chora, não mama, não ama.
Homem que é homem faz tudo é com mulher. Lambe, come, sustenta, bate quando precisa.
E burro ele não era, porque aprendeu. Teve dois ou três quebra-pau no bar e foi o meu Justino
que endureceu, que expulsou as bichas com pontapé, e ainda quebrou uma lâmpada na cara
de uma que era bem abusada e gostava de relar nos homens. (A magrela perdeu uma vista
e passou a usar tapa-olho colorido, cada dia de uma cor. Bicha faz piada de qualquer coisa,
ri de tudo que é desgraça e isso é que dá raiva.) Essa mesma me encontrava e me chamava de tio,
porque eu vi essa molecada crescer, entende? Com a tal da Marilyn foi desse jeito também.
Na época ele era só o Jabuticaba, um neguinho safado que garrou amizade com meu Justino,
comia lá em casa todo dia. Os dois brincavam de matar pombo e espiar revista de mulher pelada
que eu dava escondido, coisa de moleque. Depois roubavam carro só de pirraça pra bater pega
na Avenida Central, coisa de garoto. Quando criaram pentelho fizeram economia pra comer
a mesma puta, coisa de homem. Quem conhecia achava que era irmão, mesmo sendo um preto
e um branco, pro senhor ver. O povo falava, mas o povo fala, não fala? O povo tem fome pra
assunto besta. Mas não, o meu Justino não, ele nunca. Tanto que o Jaboticaba deu pra falar mole,
e o meu Justino não gostou. Depois o preto descoloriu o cabelo e começou a fazer ganho na praça.
Ainda zombou do meu filho porque tava ganhando mais que ele no supermercado.
Os dois caíram no cacete ali mesmo e nunca mais se falaram. Jaboticaba deu o rabo pra tudo
que é homem encapetado daquele fim de mundo, mas o senhor veja como é a vida: meu menino
foi quem pegou a doença maldita. Não me pergunte como, o povo fala, mas o povo sempre fala.
O meu garoto que sempre foi corpulento ficou que era osso puro. E ninguém mais queria ir lá
em casa, o bar não servia do mesmo copo e o Padre Ivo pediu com muita educação pra gente
não levar o menino na missa que espantava os fiéis. Essa doença não passa assim não,
mas aquela gente é chucra, como eu falei pro senhor. O Justino ficou abandonado em casa
esperando morrer, feito bicho sem raça. Não queria saber de conversa com a gente, começou
a rezar dia e noite, só sabia pedir perdão pra mim. Dormindo às vezes ele delirava e chamava
o Jaboticaba. Aquilo me dava pena, o senhor entende? Então eu liguei pro pretinho safado
e mandei ele aparecer em casa pra ver se Justino reagia. O criolo tava grande, maior ainda,
não sei se era o salto ou a peruca que dava essa impressão. Uma Marilyn Monroe preta
de seu metro e noventa. A loira entrou no quarto do Justino e eu ouvi a porta trancando.
Vinha um barulho seco, coisa de homem se entendendo. Deu meia hora, deu hora e meia e nada.
Eu tava pra chamar o padre ou a polícia, tanto faz, o que viesse primeiro.
Foi quando Jaboticaba saiu do quarto com olho roxo, sem os cachos dourados.
Ele chorava que nem quando era menino e gritava que tinha que se lavar, pedia água, deixa
eu me lavar que Justino me passou essa desgraça. Ele me comeu, tio, ele me comeu
e foi embora tropeçando aqueles pés de gorila pra fora da sandália. Eu não ia morrer sozinho, pai,
o senhor entende? O preto era forte mas durou menos que meu menino. Justino, coitado,
tá vivendo pra passar essa vergonha de ser preso. Foi meu filho que matou o travesti, moço,
pode escrever aí, que isso não devia ser crime e muito menos pecado. Mas como disse pro senhor,
se ainda tivesse sido com tiro ou uma facada no estômago, se ainda fosse de porrada.
Isso é que me tira o sono.
Genial.
ResponderExcluirincrivel
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