sexta-feira, 23 de março de 2012

mim


A mãe quando queria educar a gente sabia ser má. Eu falava errado, minha irmã copiava e a mãe tinha vergonha, queria que a gente falasse que nem os filhos da Dona Eliane.

Compra um chocolate pra mim comer, eu pedia, Faz um suco pra mim beber, choramingava.

Mim não come, Isabel. Mim não bebe.

E nada de chocolate, de suco, mim não tinha direito a nada disso.

Os filhos da patroa, esses sim, falavam um português de dicionário e a mãe achava bonito. Pra eles, tudo. E se a gente já usava as roupas velhas dos marmanjos, se já comia o que eles deixavam, porque não podia tomar vergonha e falar direito que nem eles?

Dá 5 cruzeiros pra mim comprar um chiclete?

Mim não compra, Isabel.

Depois já na escola eu desaprendi a falar errado. Me dá um chocolate pra eu comer?

A mãe descansaria aliviada se tivesse vivido pra me ouvir ser tão gramática.

Fui eu - e não mim - que passou na faculdade, que emoldurei diploma, que aprendi a pedir certo até em inglês.

Mas ninguém me convence que dizer mim não é mais bonito: mim tem muito mais poesia que eu.

Só não tenho coragem de usar na frente dos outros. Ainda acho que se pedir com mim a mãe vai ouvir de algum lugar e voltar só pra brigar com a gente. E Deus me livre de aborrecer fantasma.

Na época não via, mas hoje percebo como era engraçado ser criança na casa da Dona Eliane: a mãe não dava nada pra mim comer e quem ficava com vontade de tudo era eu. 

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