quinta-feira, 12 de abril de 2012

A língua


São Paulo é bom depois que você aprende.  E não é assim com qualquer idioma? São Paulo é uma língua. Tem que entender os substantivos, saber os verbos, decorar a conjugação. 

E São Paulo é língua áspera, língua de gato. Vai lamber e te arranha. 
Não é um carinho, não baba, não sobra boba pra fora do lábio. 
É só útil.

Cuidado: por ser língua ela te engole, te leva pra úvula. Tem hora que tudo que se vê pela frente é um túnel feio e escuro que nem traquéia, um trânsito embrulhado de tubo digestivo. Língua de sogra: barulhenta e insuportável.

Tem dia, pode ver, que São Paulo é ardido que nem afta.

Uma língua que não enrola: toda conversa aqui é séria, da boca pra dentro.

Mas acalma que ela te beija também, a saliva te cura, é antibiótica.
Dá com ela nos dentes e milagre - você é poliglota. 

São Paulo não faz sentido - é sentido: 
Outros lugares você encosta, 
alguns países a gente assiste que nem filme, 
tem continentes que são música
e já soube de ruas com cheiro de pitanga.

Mas só São Paulo é um músculo voluntário e vermelho dentro da sua boca.

Aqui nem é cidade, é papila: ácida, salgada, amarga no fundo.

Mas a pontinha, só a pontinha, repara - é doce que só.

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