Se você ainda não gosta de São Paulo é porque ainda está olhando pra ela de longe, da janela tripla e plástica de um avião. São Paulo não foi feita pra ser vista de cima. Pra gostar daqui tem que descer pra ver de perto. Tem que parar pra ver de dentro. Em São Paulo cada amigo é que é o seu monumento, sua pracinha, a sua praia. E quando um deles vai embora, a sua cidade fica completamente bombardeada, dilacerada, absolutamente apocalíptica.
Desde que cheguei, há uns 6 anos, já tive uma meia dúzia de São Paulos. Você de muda de emprego, de bairro, de profissão. Conhece gente nova, muda de sotaque, aprende os vocabulários, os figurinos, os endereços. Aí quando se apega àquele novo mundo, quando começa ficar gostoso, quentinho, quando tá começando a virar uma família, “ah, agora eu posso ficar aqui pra sempre”…pronto: aquela gente maravilhosa simplesmente tem a petulância de ir ser feliz e viver a vida em outro continente e todo aquele planeta vai junto. E fim.
Não é que nem o Corcovado que está lá pra sempre, entende? A Claudinha foi embora e nunca mais teve festinha no palácio dos Jardins. A Pri foi embora e a gente nunca mais vai poder tomar banho de psicina na casa dela falando mal de alguém. A Ana Luisa vai me abandonar e eu não vou nunca mais saber chegar naquela pracinha que ela me levou com Inacio no sábado mais delícia do mundo. É, é cruel desse jeito.
E lá vai você, com seu LEGO emocional esquizofrênico em pedaços, tentar montar outra cidade do dia pra noite. Parece muito trabalho pra pouco tempo e é. Só que essa coisa de levar um dia depois do outro pode valer pra outras paragens, aqui não: em São Paulo às vezes a gente pula uns três, quatro meses de tanta ansiedade. Aqui, amigos de 2 anos viram de infância, amores de 6 meses já são eternos. São Paulo é pra quem tem essa vontade quase cafona de viver histórias grandiosas, ir atrás de paixões hollywoodianas. E quem tem essa alma grande e bandeirante não fica sossegado mesmo em canto nenhum. Ninguém vem pra cá atrás de sombra e água fresca - até porque não temos árvore e tá faltando água. Sim, eu sei de tudo isso.
Mas mesmo gostando, mesmo sabendo, toda vez que alguém vai embora e eu tenho que demolir um mundo e erguer um novo condomíminio dentro de mim dá uma preguiça imensa e uma raiva sem precedentes.A Ana Luisa vai deixar um buraco de dois metros de profundidade no meio da minha Avenida Paulista particular (e olha que eu tenho pouco mais de um metro e meio). Vai ter revolta, vai ter panelaço na minha alma. Até eu descobrir um atalho ou aprender a andar de bicicleta vai ser caótico.
Por isso, amigo, se você já aterrisou e pegou gosto por essa terra aqui, apenas um cuidado: São Paulo acaba. Um dia você acorda e sua São Paulo foi implodida sem plebiscito, sem votação, na maior arbitraridade. Nem adianta culpar Haddads, Malufs, Kassabs, não adianta xingar todos os sobrenomes árabes.
E toda vez que a sua São Paulo acabar você vai vai ver que aqui todo mundo é peão. Aí não tem jeito: pegue sua enxada sentimental, respira fundo esse arzinho seco e poluído e mãos à obra pra reconstruir sua cidade sozinho.
E sorria, viu, que a graça é um pouco essa.