sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Pequeno dicionário do cinema brasileiro


Quando um produtor diz...ele quer dizer
“ Já temos a grana” – “Não temos a grana ainda”
“O projeto é grande, mas a gente tá apostando em você.” - “Vamos pagar pouco.”
“O projeto é pequeno portanto a gente só confia em você.” – “Vamos pagar pouco.”
“O projeto é médio e você pode ser um parceiro nosso” – “Não vamos pagar nada.”
“Vamos filmar no 1o semestre do ano que vem” – “Vamos filmar em algum momento entre ano que vem e daqui a 5 anos. Se tudo der certo. Ou não.”
“O ator X amou o seu filme e vai fazer” – “O ator x nem leu o roteiro e não vai fazer porque ele tem outro filme que vai rodar no 1o semestre do ano que vem.”

Quando o distribuidor diz...ele quer dizer...
“Queremos um filme pra toda família” – “Queremos uma comédia”
“Queremos um filme ousado” – “Queremos uma comédia”
“Queremos uma comédia diferente de tudo isso que tá aí” – “Queremos uma comédia igual a todas as outras.”
“Não queremos só comédia” – “Queremos só comédia”

Quando um diretor diz...ele quer dizer
“Ainda bem que meu filme é inteligente, cult e para poucos” – “Queria que meu filme tivesse o mesmo público das comédias”
“Meu filme fracassou porque o público está acostumado só com comédias.” – “Meu filme não é tão bom assim, mas se dá pra culpar as comédias pelo meu fracasso, maravilha!”
“Adorei seu filme, colega diretor.” – “Detestei seu filme, eu sou muito melhor e não entendo porque seu filme fez mais sucesso que o meu.”

Quando um roteirista diz...ele quer dizer
“O roteiro já tá pronto, só estou corrigindo os erros de português” – “O roteiro não tá pronto, na verdade nem decidi o nome da protagonista ainda”
“Estou super animada pra começar.” – “Estou com muita preguiça de escrever, quando é o próximo concurso pro Banco do Brasil?”
“Eu trabalhei o dia todo nesse problema do roteiro e nada...” – “Fiquei boa parte do dia discutindo política no Facebook e não consegui focar.”
“Estou super confiante neste tratamento” – “Estou totalmente inseguro, talvez vocês descubram dessa vez que eu sou uma fraude”
“Escrever é muito doloroso, o escritor se sacrifica muito” – “Eu amo o que faço e a verdade é que eu me acho superior porque estou aqui inventando histórias enquanto as outras pessoas tem que trabalhar de verdade.”



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Banheiro químico


-       A gente precisa fazer alguma coisa diferente, Pedro.
-       Antônio.
-       Quê?
-       Você me chamou de Pedro de novo.
-       Chamei? Tá vendo, isso que eu tô falando.  Eu não aguento mais falar do Pedro o dia todo, a creche do Pedro, o catarro do Pedro, o cocô do Pedro.
-       Verdade! Vai, larga tudo e vamo ao cinema agora!
-       Uau, que ousado, hein? Radical! Pelo amor de Deus, esse é o máximo que gente consegue se afastar da rotina de papai e mamãe? Cinema?
-       O que é que você quer fazer?
-       Alguma loucura, ir em algum show num lugar longe e com bastante fila, usar banheiro químico!
-       Você tá com saudade de usar banheiro químico?
-       O banheiro químico é uma espécie de máquina do tempo que vai nos transportar de volta pra nossa juventude, Antônio.
-       Tá rolando um festival de música.
-       Perfeito. Quem vai tocar?
-       Gossip, Macabees, Azealia Banks...
-       Nunca ouvi falar... Quando é que apareceram todas essas bandas?
-       Depois que o Pedro nasceu.
-       Não tem nenhum festival com bandas que a gente possa cantar junto?
-       Não, não tá rolando Palavra Cantada em nenhum festival.
-       Esquece show.
-       Aula de surf?
-       Vai atacar minha hérnia.
-       Pular de asa delta?
-       E minha labirintite?
-       Bungee Jump?
-       Deve dar um torcicolo...
-       Motel?
-       Coisa de casal careta que acha que tá sendo loucão.
-       E a gente é o quê?
-       Liga pra sua mãe. Pede pra ela ficar com o Pedro pra gente ir ao cinema.
-       Você quer que a minha mãe venha de Belo Horizonte só pra gente ir ao cinema?
-       Eu não confio nessas babás. Teve uma reportagem no Fantástico que colocou uma câmera escondida e/
-       Pelo amor de Deus, não precisa apelar pra câmera escondida do Fantástico. Quando eu marco?
-       Essa semana não dá, segunda eu fico muito cansada, terça não consigo...sexta feira da oooutra semana.
-       A gente vai agendar um cinema com 17 dias de antecedência?

17 dias depois, no cinema.
           
-       Enfim sós.
-       Graças a Deus.
-       Ufa.
-       Só eu e você.
-       Eu, você e as Tartarugas Ninja.
-       Você queria escolher o filme ainda por cima?
-       Seria muito luxo.
-       O importante é que estamos só nós aqui.
-       Mais ninguém.
-       Como nos velhos tempos.
-       Como nos velhos tempos.
...
-       Te mostrei a foto que tirei do Pedro ontem?
-       Não, cadê?
-       Olha isso, que lindo.
-       Ele tá demais. Manda pra mim.
-       E essa cara que ele faz quando faz cocô?
-       Te falei que ele falou “beterraba?”
-       Jura?
-       Tô te falando. Claro que não foi assim um “beterraba” tão nítido, talvez tenha sido “boneca” ou “grampeador”, mas olha isso, eu filmei.
-       Vamos ver esse filme e voltar logo pra casa, eu não tô aguentando de saudade do Pedro.



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segunda-feira, 10 de março de 2014

Antes e Depois


 Amiga dona-de-casa que engravidou sem querer, ou que está fazendo sexo com hora marcada nos dias férteis ou mesmo que já congelou seus melhores óvulos: eu tenho uma notícia boa e uma ruim para todas. A boa é que a gravidez não vai mudar você. E a ruim é que a gravidez não vai mudar você.

Eu sei, você passou a vida inteira ouvindo que isso aconteceria. Que um belo dia um bebê iria te transformar numa pessoa melhor, mais amigável, menos invejosa, menos ansiosa, mais responsável com dinheiro. O grande Antes e Depois do mundo das fêmeas. Centenas de livros e poesias e textos ruins de blog disseminando a máxima “Eu era assim, mas depois da maternidade…”

Tudo mentira. O filho não transforma ninguém. Você vai ter um lindo bebê nos braços e continuar sentindo medo, inveja, raiva e continuar morrendo de preguiça de acordar cedo e continuar tendo vergonha de power point com cachorrinhos dormindo e de crianças que berram pelos corredores dos supermercados (mesmo que essa criança seja sua).

A maternidade não é transformadora. Ela é apenas reveladora.

É no conflito que o caráter se revela e bem, minhas caras, a maternidade é um Big Mac recheado com os flocos crocantes e coberta com todos os tipos de conflitos: físicos, químicos, existenciais, emocionais, amorosos, sexuais. E o que acontece é que no meio disso tudo, é impossível forjar qualquer coisa que não seja genuíno em você. A maternidade é um jato de água na cara que limpa toda maquiagem que você já tenha usado na vida. Por isso, depois de um filho, pasme: você vai ser exatamente quem você é.

Eu sei, você vai dizer que tem uma vizinha que era loucona, de cabelo azul e tatuada e virou uma mãe careta que só deixa o filho comer cenoura orgânica. Sim, todos nós temos essa vizinha. Pois pra mim, na verdade, a vizinha loucona sempre foi essa chata. Todo o resto era um belo disfarce pra ela parecer mais divertida. Antes do filho, você pode brincar de ser qualquer coisa e acho que deve fazer isso até. Depois não dá tempo nem de almoçar direito, quem dirá pintar o cabelo de azul.

E as mães que tem filho e param de trabalhar?, você me pergunta. Com certeza não tinham ambição profissional antes mesmo da gravidez. E as que engordaram 30 quilos? Estavam loucas por uma desculpa pra abandonar a vaidade.

Por outro lado, conheço mães que fumam, bebem, vão pra balada, correm maratonas, trabalham loucamente, pulam carnaval ou apenas gostam de conversar sobre assuntos adultos porque simplesmente sempre foram interessantes e interessadas no mundo. A logística muda, a frequência pode ser diferente, mas se isso faz parte de você, se não é apenas um pancake social, fique tranquila: vai continuar lá. “Mas eu conheço um casal que era super cool, divertido, gostava de novas bandas e depois do bebê...” Que nada. Pessoas legais que viram malas depois dos filhos eram só malas com bom gosto, disfarçados e cercados pelos objetos de design certos. Depois que seu filho nascer, eu garanto: nenhuma fada vai entrar pela sua janela espalhando purpurina e te obrigando a falar só sobre Hipoglós e Leite Ninho. Se você fizer isso, acredite: vai ser por livre e espontânea vontade.

Por outro lado, se você está esperando o pequerrucho nascer pra parar de fumar, começar a comer espinafre e malhar toda terça e quinta, sei não. Seu filho ainda tem que aprender a ficar em pé, a falar, a mastigar, eu não colocaria sobre ele além de tudo a responsabilidade de mudar seus maus hábitos. Deixe pra prometer – e descumprir - tudo isso no próximo ano-novo. Ou tome coragem e mude agora mesmo, sem filho nenhum, só porque hoje é segunda-feira.



segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Apendicite


Você que não é de São Paulo não sabe, mas paulistanos não ficam doentes; paulistanos “vão pro Einstein.” É que paulista gosta de tudo que é bom, bonito e caro e o Einstein é um hospital tão bom, tão bonito e tão caro que frequentá-lo é mais glamouroso do que ser aceito no Country Club.
Mas o Einstein não tem nada a ver com meu texto,  isso foi só um pensamento que me acometeu no primeiro dia de férias, quando eu estava na emergência do Copa D’oR. Cariocas não gostam de hospital e embora eu já tenha dado entrada na papelada pra virar paulista de vez, continuo não gostando. E o Copa Dor é um hospital tão deprimente, frio e lotado como qualquer outro (menos o Einstein.)
O maridão começou a sentir dores lancinantes abaixo do estômago e eu fiz o diagnóstico na hora: é apendicite. Ele não deu bola, diz que eu sou hipocondríaca e que acho que estou com apendicite sempre que tenho qualquer dor no corpo - o que é verdade - mas entendam: Minha habilidade em diagnosticar doenças através do Google  é tão avançada que me sinto graduada em Medicina. Fora as especializações que garanti assistindo programas de doença no Discovery Home & Health ao longo dos últimos anos. Pois bem: meu marido teve que fazer 3 exames de sangue, duas ressonâncias e esperar 5 horas pelos resultados para que os médicos concluíssem o que eu já havia atestado no primeiro minuto: é apendicite. Dessa vez eu estava certa.
Mas tudo* na vida tem um lado bom, certo? Mais ou menos. Se você ler essa frase bem de perto vai ver que ali, bem em cima do “tudo”tem um asterisco bem pequeno que te leva pras letras miúdas lá de baixo, como num anúncio picareta onde se lê: Apendicite não está incluída nesta mensagem. 
Não, não tem lado bom na apendicite. Superar uma doença grave, sobreviver a um acidente, essas sim, são experiências transformadoras que podem mudar até o caráter de alguém (não que ninguém deseje isso pra si, obviamente, mas é um fato).
Mas apêndice não serve pra nada  mesmo, nem como lição de vida. E arrancar algo que não serve pra nada aparentemente é algo que os médicos fazem com bastante má vontade. Especialmente um dia antes do Natal. A cirurgia é tão menosprezada pelo corpo clínico e enfermeiros que tive a sensacão clara que olhavam para meu marido com certa raiva, como quem diz: você está ocupando o leito que poderia ser de alguém com uma doença de verdade, sabia? E quando perguntamos quais as recomendações do pós-cirúrgico só faltavam dizer: ora, por favor.
No fim deu tudo certo: retirou-se o apêndice, e como ninguém respeita apendicite mesmo, o marido teve alta e voltamos pra casa. O Copa Dor não é nenhum Einstein, de modo que foi melhor assim: final feliz.
Mas começar o ano falando de apendicite, pelo amor de Deus. Eu queria deixar uma mensagem nobre e valiosa para os amigos em 2014. Então vejamos: Se essa história fosse num livro de auto-ajuda eu diria para vocês fazerem uma extração de apêndice na vida em 2014 e jogarem fora tudo que está dentro de você e não serve mais pra nada, só pra infeccionar. 
Se isso aqui fosse um conto chinês eu faria uma alegoria sobre um homem que vai pro hospital triste por ter uma apendicite e conhece pessoas com doenças muito piores e se torna um ser humano mais consciente e feliz para aproveitar cada minuto de sua vida.
Se fosse uma mensagem de fim de ano da Rede Globo, todos os doentes do hospital se levantariam de seus leitos e começariam a cantar felizes  “Hoje é um novo dia de um novo tempo que já chegou…”
Só que  essa história aconteceu mesmo no Rio de Janeiro, no calor de 50 graus e foi bem difícil ver otimismo e beleza numa laparoscopia nesse contexto.
Aí eu vim pro computador e decidi que essa apendicite ia ter que servir pra qualquer coisa, nem que fosse pra um texto de blog que pouca gente lê.
Como diria Caetano, como é bom poder tocar um instrumento.
Um 2014 sem apêndice pra todo mundo!