A primeira coisa que eu quis na vida
foi ser escritora. E a primeira coisa que eu quis na vida foi ter um filho. Não
é erro de digitação, eu sempre quis essas duas coisas assim, em primeiro lugar.
Muito antes de saber o que elas significavam, o quão emblemáticas poderiam ser,
muito antes de saber se duas decisões tão grandes podiam ocupar a mesma pessoa.
Não tinha ideia de quão
deliciosamente dolorosas ou dolorosamente deliciosas essas decisões poderiam se
tornar. Não sabia bem o que elas tinham em comum, mas hoje tenho alguma ideia.
Escrever e ser mãe são ambas escolhas
impossíveis. Em roteiro, a gente chama de escolha impossível aquela que revela
o caráter mais profundo do personagem. É quando o herói precisa escolher entre
amor ou dinheiro, entre salvar o mundo ou salvar a própria pele. Rick Blane
abandonando Ilsa no final de Casablanca ou o garotinho de Toy Story 3 tomando
coragem pra doar os bonecos antigos e virar adulto. São escolhas que pressupõe perdas e ganhos
enormes de ambos os lados.
Na vida real é parecido. A escolha
impossível é aquela que, se você colocar no papel, consultar o google, pedir
opinião pros familiares e fizer uma planilha de excel, desiste na hora.
São batidas de martelo irracionais e
sem sentido, movidas por um amor incompreensível - e muitas vezes não correspondido
- pela humanidade. São atestados de que se acredita nas
pessoas e isso é lindo na mesma medida que é absolutamente sem sentido.
E são escolhas frustrantes também,
porque um livro e um filho nunca vão ser como você imaginou que seriam: serão o
máximo que você conseguiu fazer. Um espelho do seu limite, um produto real e
falante do seu melhor - que em geral nunca é tão bom quanto a gente gostaria.
Outra coisa curiosa é que essas
escolhas impossíveis não parecem escolhas – algo deliberado, dois parênteses em aberto em que você pode marcar um xis onde bem entender. Elas realmente
revelam tanto sobre você, que é como se tivessem sido formadas junto com seu
fígado ou seu sistema nervoso central. Não me lembro de estar lendo um livro
marcante e, de repente, decidir que queria escrever. Como não me lembro de sentar
um dia num parquinho observando um
pique-pega animado e escolher ser mãe. Eu nunca pensei nesse assunto,
simplesmente sabia que ia acontecer e isso acabou virando parte de mim como ter
cabelos castanhos, olhos pequenos ou dentes grandes demais pro tamanho do meu
rosto. Nunca tive medo de assumir os riscos dessas aventuras não por ser
corajosa, portanto, mas porque nunca conheci nenhuma outra opção.
Mas apesar de ser mãe e escritora
serem vontades tão intrínsecas, preciso contar-lhes uma triste verdade: eu
nunca serei nem uma coisa, nem outra.
Sim, daqui a 3 meses e meio eu vou
parir, mas essa certidão de nascimento não vai fazer de mim uma mãe. E quase na
mesma data termino de escrever meu primeiro longa-metragem, o que está bem
longe de significar que sou uma escritora.
E eis mais uma particularidade desses
caminhos: escrever e ser mãe são coisas que nunca se aprende por completo, nem
numa vida inteira. Meu filho e meu filme, quando estiverem prontos, serão uma
grande realização, uma alegria imensa, eu sei. Mas não se apresentarão pra
mim como uma faixa de chegada, um final glorioso, troféu e medalha de ouro. Nem
me entregarão numa bandeja de prata a sensação de dever cumprido.
Ao contrário: vão chegar com outras
dúvidas, inseguranças, vão reinventar e multiplicar minhas aflições me fazendo
perguntar onde é que eu estava com a cabeça quando escolhi essa complicação
toda.
Mas antes que alguém pense que esta é
uma visão pessimista, eu contesto: acho maravilhoso que minha busca seja imperfeita assim. Quanto mais de verdade tudo for, tanto melhor. Tem gente que tem sonhos lindos e perfeitos e acho isso maravilhoso ( tenho até alguma inveja). Mas eu sempre preferi ter grandes realidades.