São Paulo é bom
depois que você aprende. E não é assim
com qualquer idioma? São Paulo é uma língua. Tem que entender os substantivos, saber
os verbos, decorar a conjugação.
E São Paulo é
língua áspera, língua de gato. Vai lamber e te arranha.
Não é um carinho, não
baba, não sobra boba pra fora do lábio.
É só útil.
Cuidado: por ser
língua ela te engole, te leva pra úvula. Tem hora que tudo que se vê pela
frente é um túnel feio e escuro que nem traquéia, um trânsito embrulhado de
tubo digestivo. Língua de sogra: barulhenta e insuportável.
Tem dia, pode ver,
que São Paulo é ardido que nem afta.
Uma língua que não
enrola: toda conversa aqui é séria, da boca pra dentro.
Mas acalma que ela
te beija também, a saliva te cura, é antibiótica.
Dá com ela nos
dentes e milagre - você é poliglota.
Outros lugares
você encosta,
alguns países a gente assiste que nem filme,
tem continentes que são
música
e já soube de ruas com cheiro de pitanga.
Mas só São Paulo é
um músculo voluntário e vermelho dentro da sua boca.
Aqui nem é cidade,
é papila: ácida, salgada, amarga no fundo.
Mas a pontinha, só
a pontinha, repara - é doce que só.