Minha mãe leu meu
último texto falando do perrengue absurdo que é ser mãe. Estava meio dramática esse dia e pensei: “que
bonito, ela vai me abraçar forte, se solidarizar e dizer emocionada: filha, eu
sei como é! Toca aqui! Vamos chorar juntas as mazelas de ser mulher!”
Em vez disso, ela disse que - aspas: “morreu
de rir com o texto”. Pra ela tudo que escrevi soou muito engraçado. Aspas outra
vez: “maternidade não foi nada disso.”
Minha mãe não é de falar as coisas só pra me provocar, então fiquei pensando: será que a maternidade é mesmo um cupcake rosa, recheado de doce-de-leite com granulado colorido e eu tô complicando tanto assim?
A mãe de uma amiga já
chegou dizer que ela e suas irmãs nunca choraram na vida, enquanto o filho
dessa minha amiga...bem, ele chora. E quem nunca ouviu a mãe dizer “Nunca mudei nada
de lugar, vocês respeitavam os vasos de cerâmica e livros de arte.” Que bebês
encantadores fomos. Será que dei azar então? O que estou fazendo de errado? É apenas
meu filho que é difícil? Ou pior: será que nem ele nem é difícil, o problema
sou eu mesma?
Recebi muitas mensagens de pessoas que tinham se identificado com o tal texto das agruras da maternidade, então acho improvável que seja algo pessoal. Nossa geração sofre mesmo com essa escolha, e muito. O que será que mudou então? Tenho algumas teorias de meia tigela.
Uma explicação é que não existia glúten, tela de proteção, cinto de segurança psicólogos infantis, Bela Gil. Tinha muito menos gente olhando e julgando as besteiras que nossos pais faziam. Experimente questionar: “Pai, a gente andava na caçamba da pick-up em Saquarema sem cinto com vocês dirigindo bêbados, e aí?” A resposta é sempre a mesma: “você sobreviveu, não sobreviveu?” Nossos pais ainda por cima não sentem culpa nenhuma, é fantástico.
Outra hipótese para minha mãe e suas contemporâneas acharem tanta graça no texto é que existia a figura da empregada doméstica 24 horas por dia em casa, deixando os pais bem mais desobrigados. E havia avós que se dedicavam integralmente ao netinho e sua janta, enquanto as avós e avôs de hoje estão viajando pra Tailândia com o novo namorado e talvez até engravidando de novo. Ou, no meu caso, cuidando de seus próprios pais, que não raro estão perto dos cem anos e vivos da silva. Isso também é novidade. Acho incrível, de verdade, mas não facilita pra gente.
Indo ainda mais
longe, não existia a internet com seus vídeos e correntes apavorantes mostrando
tudo de terrível que pode acontecer ao
seu bebê: sabia que um simples colar de âmbar pode ser fatal? Clique aqui.
Hoje em dia as mães
sabem que mesmo as atitudes mais bem
intencionadas podem causar mal ao filho. Até o ex-saudabilíssimo suco de laranja tem glicose demais. Quem aí tomava Nescau
com açúcar? Sim, nós sobrevivemos. Comprávamos cigarros pros nossos pais,
corríamos com balas softs na boca, jantávamos Skinnys (não é frito, é assado!).
Só as mães dos anos
80 foram felizes. As mães das décadas anteriores ainda não tinham ido pro
mercado de trabalho, só cuidavam dos filhos e dependiam do marido. Hoje em dia
trabalhamos demais, queremos sucesso, carreira, viagens, casamento, liberdade,
igualdade de gênero, likes no instagram, barriga tanquinho e filhos com hábitos
saudáveis.
Nos anos 80, mãe,
vocês tiveram tudo: a opção de trabalhar ou não, a escolha de fazer o parto que
quisessem sem serem pressionadas de um lado por médicos mercenários e de outro
por defensoras xiitas do parto natural sem anestesia na banheira de casa;
tiveram a tranquilidade de não saber os malefícios da junk food, tudo isso
aliado a uma certezinha macia de que deixar a Xuxa na TV 7 horas por dia (alternando com Chaves) não
fazia mal a ninguém.
Então eu entendo seu riso, mãe, porque a relação entre pais e
filhos já foi sim bem mais simples - pelo menos para os pais. Para os filhos, tenho dúvidas. Hoje há um mundo de entretenimento, psicologia e educação infantil muito mais evoluído. Escutamos mais as crianças, prestamos muita atenção
nelas, talvez mais do que devêssemos? Pode ser.
Nós, as mães dos anos 2000, amamos muito nossos filhos, mas estamos exaustas e às vezes de mau-humor.
E o pior é que não
temos nenhuma garantia de que nossos filhos sem glúten e sem lactose serão mais
felizes.