A delicadeza é de uma inutilidade
ímpar.
A inutilidade deve ser, aliás, o
princípio de qualquer delicadeza.
Delicadeza com objetivo é interesse.
Delicadeza que tem qualquer
serventia é favor.
Delicadeza se confunde com outras
boas intenções, mas não se engane:
Doar 100 milhões para uma escola
pobre depois de uma enchente é caridade
Ceder lugar no ônibus para um velho
é educação
Abrir a porta do carro para uma
conquista é exibicionismo
A delicadeza não é disso, ela é discreta.
Pequena e tímida -
Um arco-íris que só aparece quando
ninguém está olhando.
A delicadeza não sobrevive de
aplauso.
A delicadeza não sobrevive ao
aplauso.
É uma virgula bem colocada, que não
muda em nada o texto: só faz a história ficar mais macia pra quem ouve.
A delicadeza é tão desnecessária
que quando o receptor do seu gesto disser :“ah, não precisava”, isso deve ser
verdade.
Não precisava de fato, mas foi feito mesmo assim.
A delicadeza está em tudo que é
poético e barroco:
uma carta escrita a mão
as bodas de Ouro
o silêncio.
E pode estar também em tudo que é
absolutamente ordinário e urbano:
um sinal de trânsito,
uma fila de supermercado,
o elevador do prédio
A delicadeza sobrevive em qualquer
habitat por isso é curioso que ela seja tão rara.
Existem manuais de como sobreviver
na selva,
como proceder em caso de incêndio,
como agir em caso de
despressiurização da cabine.
Mas não há literatura que
ensine o sujeito a ser delicado.